Freud, as Estruturas Psíquicas e o Inconsciente
Apenas para mostrarmos a contribuição de Freud para a Psicologia Espírita, iremos mencionar alguns pontos da teoria psicanalítica. É fundamental situarmos no tempo, alguns conceitos diferenciados em relação ao aparelho psíquico que Freud desenvolveu, em duas fases de seu trabalho, em dois momentos diferentes do desenvolvimento humano. A primeira vigorou até 1920, e a segunda, de grande importância para o entendimento de fenômenos psicopatológicos, estão em vigor na psicanálise até os dias atuais. Freud deu o nome de aparelho psíquico a uma organização psíquica dividida em sistemas, com funções específicas, que compõe a mente humana.
Na primeira fase, ou na primeira concepção, conhecida como abordagem topográfica ou descritiva, é a que considera a mente como um lugar extenso, um espaço, dentro do ser humano, no seu campo mental, que o próprio ser humano desconhece. Uma região de conteúdos desconhecidos. Ela também divide o aparelho psíquico em três partes: o Consciente, o Subconsciente (ou Pré-Consciente) e o Inconsciente.
O Consciente é a parte da mente humana que processa tudo o que esta ciente e sendo utilizado num determinado momento. O que se mantem no Consciente é uma pequena parte dos conteúdos que retemos. Alguns são acessados, utilizados e depois descartados rapidamente, à medida que não são mais necessários. São informações, imagens, sentimentos, emoções, etc, provenientes do mundo externo e do mundo interno do ser humano. É a camada que está mais próxima do mundo externo, que faz mais interface com ele. Exemplo: Quando estamos vendo uma foto antiga. Muitas coisas do mundo como ele era na época da foto, pode nos vir à mente; muitas informações do momento da foto, os nomes e as situações de vida das pessoas, do lugar, sentimentos, gostos, desejos, emoções, cheiros, etc, da nossa experiência com aquela foto, podem nos vir à mente. Basta um breve chamado mental e resgatamos aquela lembrança que não estava no nosso Consciente quando começamos a ver a foto, e somente será carregada à medida que a chamamos, por passarmos a precisar dela. E à medida que abordamos um aspecto das lembranças e passamos para outro, descartamos algumas lembranças e carregamos outras referentes ao novo aspecto que passamos a abordar. Por isso, nem tudo o que temos de lembranças fica carregado constantemente no Consciente e sim somente o de que estamos precisando no momento, o que é muito pouco em relação ao todo.
Mas fica a questão: de onde vêm essas lembranças, enquanto não a chamamos para o Consciente? Para denominar um local onde ficam essas lembranças (ideias, sentimentos, emoções, impulsos, etc), deram o nome de Inconsciente, ao local onde estão todas essas lembranças, que fazem parte de nós e que não estão no Consciente. É um sistema que lida com as lembranças que passaram pelo Consciente e depois ficaram gravadas no Inconsciente.
Mas e quando encontramos um colega cujo nome conhecia no passado e agora não consigo me lembrar? Para onde foi esse nome? Chamamos, chamamos e o seu nome não vem! É como se naquele momento não conseguíssemos acessá-lo! Lembramo-nos de quase tudo (fisionomia, local que nos conhecemos, vivencias do passado, etc), mas o nome não nos vem ao Consciente. Ficamos constrangidos, conversamos com a pessoa o tempo todo e, somente depois que ela vai embora, o nome aparece. Neste caso o nome, por exemplo, estava em algum lugar, tanto é que surgiu depois. Ele fazia parte de nós, mas apenas não estava acessível naquele momento. Segundo Freud essas lembranças, por serem superficiais, estariam numa parte intermediaria entre o Consciente e o Inconsciente, chamada de Subconsciente ou Pré-Consciente. Seria um local que guarda lembranças que escapam ao acesso do Consciente, que não couberam no Consciente no momento em que foram chamadas (no encontro com o colega) e que, somente depois que acabou o encontro, com uma nova chamada, houve espaço para carregar o nome do colega no Consciente.
Voltando ao Inconsciente, existem correntes que afirmam que “a experiência do inconsciente nasceu com a Humanidade” e que desde os antigos hindus, hebreus e egípcios (bem antes de Freud e Jung), a Humanidade já sabia, na prática, da existência de aspectos desconhecidos e estranhos (processos inconscientes), nas pessoas, que a consciência era incapaz de controlar e de compreender. E foram principalmente os hindus e os chineses que desenvolveram técnicas, como a meditação, a ioga e as artes marciais, para terem acesso aos níveis mais profundos da psique. Depois, somente a partir do século XIX que o inconsciente passou a ser estudado mais sistematicamente.
Ao longo do seu trabalho, Freud percebeu que a teoria do modelo topográfico inicial apresentava lacunas, principalmente quando se tratava de compreender o seu funcionamento em casos de doenças psíquicas. Algumas recordações não eram trazidas para o Consciente. Mecanismos de defesa (conscientes e inconscientes) criavam uma resistência para trazê-los até o Consciente, e que pela maioria deles serem também inconscientes, eram inacessíveis. Foi então que, na segunda fase de seu trabalho, o pai da psicanálise formalizou a teoria estrutural do Id, Ego e Superego, como uma nova anatomia da mente, com partes dissociadas, ativas e dinâmicas, que se influenciam reciprocamente, porém mantendo intacta a divisão anterior do Consciente, Subconsciente e Inconsciente, que é premissa fundamental na psicanálise.
O Id constitui uma instância completamente instintiva, interessada apenas em satisfazer os desejos, as paixões, descarregar as tensões, de onde promanam os impulsos cegos e impessoais, voltados à satisfação das necessidades primárias da pessoa. Ignora o mundo exterior e o único objetivo de seus interesses é a satisfação do corpo físico, determinada pelo prazer. O Id depende das outras duas partes (Ego e Superego) para poder se manifestar adequadamente.
O Superego é o que comumente chamamos de “Consciência”. A consciência moral, auto-observação, bom senso e formação das ideias. Segundo Freud é a natureza mais alta, o lado mais elevado do ser humano. Age tanto para aprovar, restringir ou proibir a atividade consciente, após uma avaliação e um julgamento, quanto para restringir inconscientemente através de compulsões. É representado pela autoridade que orienta o nosso desenvolvimento, instância de nossa personalidade psíquica, colocando-se no centro da questão moral.
O Ego é o componente intermediário entre o Id, o Superego e o mundo exterior. Exerce o controle das experiências conscientes e regula as ações da pessoa, ocupando um posicionamento de referência para todas as atividades psicológicas. Através dele que aprendemos sobre a realidade externa e conduzimos os nossos comportamentos e ações. Supervisiona todas as nossas tendências, intenções e ações. É o órgão executivo da psique, responsável pelas tomadas de decisões e integração das percepções, reprimindo, proibindo, restringindo ou incentivando, liberando e aprovando. Concilia as diretrizes do Superego, as necessidades do Id e a realidade do mundo externo, diante de uma circunstância, antes de conduzir cada tendência, intenção ou ação.
A partir de então, o Inconsciente passou a ser considerado um sistema que armazena e trata conteúdos (ideias, emoções, sentimentos e impulsos), que passaram pelo Consciente e que, muitos deles, sofrem grande resistência para estarem conscientes. Depósitos de coisas de que não nos lembramos de imediato. Aquilo que não é expresso e continua presente na vida psíquica de uma pessoa, ou por estar inconsciente, desconhecido, ou por ter consciência e querer inibi-lo, escondê-lo (proveniente do Id e através do controle do Ego), cria transtornos que se tornam difíceis de lidar. Freud descobriu que os sintomas de que as pessoas se queixavam tinham relação direta com desejos não realizados, frustrações, etc, e que ficavam profundamente enraizados no Inconsciente. Essas frustrações poderiam ser oriundas de fatores da realidade externa ou de exigências do Superego, e que a cura só seria possível através da conscientização, como forma da pessoa olhar pra si, se perceber, e identificar que existe algo de estranho em si mesma, no seu Inconsciente, que precisa ser trabalhado pela condução do Ego, na compatibilização com o mundo externo. Daí criou-se a técnica da “análise”, para lidar com essa resistência, a qual tem como finalidade tornar Consciente o que é Inconsciente, num processo de descoberta, de identificação, de algo que a própria pessoa não reconhece ou que “acha que precisa negar ou censurar”.
Na visão espírita, considerando a escala não absoluta dos diferentes mundos, que são: 1.Primitivo – primeiras encarnações da alma humana, vivência toda material, reina os instintos e paixões, a moral é nula; 2. Expiação e Provas – onde o mal domina; 3. Regeneração – onde as almas que ainda tem o que expiar haurem novas forças; 4.Felizes – onde o bem se sobrepõe ao mal; 5.Celestial – onde o bem reina inteiramente (morada dos espíritos puros); a Terra ou a Humanidade Terrestre se encontra no nível “2. Expiação e Provas – onde o mal domina” e está na fase de separação do seu rebanho, quando os que não alcançaram o progresso esperado migrarão para outros orbes do nível 2 e os que alcançaram, permanecerão na Terra, passarão a viver no nível 3.
Nesta condição, grande parte dos seres humanos atuais está muito mais próxima do ser ainda “Primitivo”, com as características descritas na definição do Id, do que de um ser “Iluminado”, como são os habitantes dos mundos da escala 5 descrita acima. Embora possa parecer surpreendente, essa afirmativa é muito mais real do que podemos imaginar. Portanto as influências das forças psíquicas do Id, como preconizava Freud, são consequências diretas de dois fatores predominantes: os resquícios primitivos oriundos da própria situação espiritual do indivíduo (que precisam ser identificados, trabalhados e sanados) e também da sua condição de ser submetido às expiações e provas (acertos de erros passados com seus semelhantes), estando sujeito a interferência de espíritos obsessores e inimigos em suas vidas, quando isso é permitido e necessário para o seu reajuste.
Com relação ao Superego, como todo Espírito foi criado por Deus para o seu objetivo final que é o de atingir a perfeição, ele traz consigo a noção de Deus, do certo e errado, e do caminho a seguir. Todos trazem! Uns mais e outros menos, mais a noção está em todos. E essa consciência cresce a medida que se desenvolve espiritualmente.
O Ego no seu papel de espírito encarnado, que difere do espírito desencarnado, por estar sujeito ao esquecimento temporário imposto para seu desenvolvimento nessa vida (em função da sua expiação ou prova), através do seu Consciente, Subconsciente e Inconsciente, procura trabalhar a conciliação da superação do Id, do atendimento ao Superego e das regras da realidade externa.
E o Inconsciente, na visão espírita, é um depósito de tendências, conhecimentos e experiências vivenciadas pelo Espírito durante todas as suas vidas anteriores (a Hipnose Reencarnacionista mostra isso), que quando encarnado, grande parte ficam limitados, reduzidos, na presente vida. É um repositório que contém desde as tendências primitivas e negativas que ainda o Espírito traz consigo e que precisam ser trabalhadas e eliminadas; até os talentos, os potenciais e as capacidades que já possui e que se encontram inibidas ou não ativadas e que precisam ser redescobertas e afloradas. E os que ainda não estão tão desenvolvidos, mas já foram iniciados em vidas passadas e que carecem de voltar a serem desenvolvidos também. É lógico que as novas experiências vivenciadas na vida presente, também estão inseridas neste contexto. Segundo Joanna De Ângelis, “O grande desafio da existência humana é conseguir explorar este universo desconhecido que está dentro de nós, para retirarmos dele todos os potenciais que nos possibilitem a felicidade e a auto realização”.
Foi de muito grande valia, a contribuição de Freud abrindo as portas para a Metapsicologia, ao estruturar o conceito e a possibilidade de contato e descoberta do Inconsciente. O processo de adentrar a este mundo desconhecido é um trabalho essencial da psicanálise frente a pessoa que sofre. Enquanto nós espíritas ainda sofremos preconceitos até hoje pela crença transcendental, imaginemos o que passou Sigmund Freud, há cerca de 100 anos atrás, impulsionado pela coragem e pela determinação de seus estudos, agindo fiel as suas descobertas, em oposição ao social aceito na época. Apresentou-se com teorias consideradas por muitos como absurdas. Por isso, graças a sua coragem e o seu valor moral, quebrando os tabus que envolviam o sexo, por exemplo, no final do século XIX, ele abriu as fronteiras do desconhecido nessa área, facultando um melhor entendimento das necessidades humanas.