Ego e Egoísmo: a nascente dos sofrimentos
O vício pode ser definido como uma fraqueza grave de uma pessoa. Disposição natural para práticas não saudáveis ou imorais. Qualquer costume supérfluo, censurável e prejudicial a si mesmo.
Os vícios da alma são as causas de todos os sofrimentos. O homem é o grande artífice do seu mundo, de glórias, alegrias, dores e sofrimentos. Está no próprio homem a nascente dos seus males. Entre todos os vícios, o Egoísmo é o pano de fundo dos demais, de onde deriva todo o mal. Aí está a verdadeira chaga da humanidade.
Quem estiver buscando o seu auto aprimoramento, deverá primeiro buscar o expurgo do Egoísmo do seu coração, uma vez que o mesmo é incompatível com as Leis do Amor, da Justiça e da Caridade.
O Egoísmo neutraliza todas as qualidades e virtudes das pessoas; devorando todas as inteligências e causando todas as misérias. Enquanto o Egoísmo continuar a reinar no mundo, não haverá paz, uma vez que sabota os mais sagrados laços de afeição. Torna a vida sofrida na Terra, e constitui o maior entrave ao progresso do planeta.
Somente quando o homem compreender que o Egoísmo gera o Orgulho, a Ambição, a Cupidez, a Vaidade, a Inveja, o Ciúme e o Ódio; que leva as perturbações nas relações sociais; que provoca as dissensões; que aniquila a confiança, fazendo com que todos se mantenham na defensiva, uns contra os outros; e que transforma um amigo, em um inimigo; então compreenderá que esse vício não lhe traz felicidade, nem segurança, e só gera sofrimento.
Enquanto uma pequena parcela da sociedade usufrui de muitos recursos, outra, infinitamente maior, sobrevive com as necessidades básicas. Hoje, a competitividade é que determina a forma de relacionamento entre as pessoas, e a base da educação, na maioria dos lares. É pautada apenas no interesse dos seus membros, em detrimento dos demais. Compromete-se com a moral sim, mas priorizando apenas os seus. Uma determinada regra, determina uma atitude apenas em relação aos seus, e outra, menos valorosa, é a praticada em relação aos outros. Destrói-se a ordem social, beneficiando apenas os que lhes interessam.
Toda desordem social, econômica e moral, é filha deste despeito pelos outros, desta indiferença, deste exclusivismo, e deste incentivo à independência, tendo como consequência o distanciamento do próximo.
Algumas pessoas avaliam a família como uma instituição falida, por não conseguirem perceber os benefícios do convívio com o outro, e com a oportunidade de desenvolver o amor ao próximo. Outros chegam à conclusão de que ter filhos é um atraso, tempo perdido, em função das mudanças e adaptações que deverão fazer em suas vidas, e nas oportunidades que perderão, em função do trabalho que o outro trará. Sem se darem a oportunidade de conhecer o grande retorno de aprendizado e experiência, que a doação deste amor trará para suas vidas. Outros ainda, que nunca se deram a prática da caridade, perdem a oportunidade de vivenciar o prazer que esta ação proporciona, após vivenciá-la na prática.
Então, esse sujeito que se considera referência em tudo, extremamente independente, e busca somente os seus interesses e dos seus, terá muita dificuldade de viver em sociedade, de se relacionar de maneira saudável, e de viver conforme as melhores práticas, tendo como consequências o sofrimento e a solidão.
Olhando pelo lado positivo, o sofrimento o levará para o reencontro consigo mesmo. Se apresentará na medida certa das atitudes que o próprio indivíduo promoveu em relação aos outros. Este destino apontará para um caminho de encontro com a espiritualidade e com o próximo, passando a aprender compartilhar interesses comuns.
Ego
Palavra latina para “eu”. Instância psíquica, imaterial, responsável pelo processo de adaptação à vida. Se forma desde o nascimento, e desenvolve este sentido de identidade, sempre que toma uma atitude nos confrontos entre as necessidades de sobrevivência e de convívio com o meio. Aos poucos vai se desenvolvendo como um sujeito, que começa dizendo “eu quero”. Na infância, vai se desenvolvendo a partir de entraves, influências e com uma postura viva frente a vida, com escolhas, desejos, e busca para atender as suas necessidades. O caminho para o crescimento é feito a partir de conflitos, medos e frustrações. É ele que estrutura os pensamentos, controla, organiza, avalia, raciocina, sente e intui. Toda vez que usamos os termos: “eu”, “meu”, “me” ou “pra mim”, estamos nos referindo ao Ego.
No Evangelho Segundo o Espiritismo encontramos a seguinte afirmativa: “Em sua origem o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos”.
O instinto é a força oculta que leva os seres orgânicos a atos espontâneos e involuntários, visando a sua conservação. No ato instintivo não há reflexão, nem combinação, nem premeditação; ou seja, é um ato maquinal que move o indivíduo, sem fazer uso da inteligência e nem da vontade (atributos que se desenvolvem com a evolução do Espírito).
A partir da segunda etapa, experimentamos sensações boas e ruins. Para alguns, acordar cedo ou fazer uma dieta equilibrada, é uma sensação ruim; para outros, trabalhar, passear, comer doces, é uma sensação boa. Nesta fase, o homem precisa administrar as sensações adequadamente, pois ninguém vive na Terra apenas em função dos prazeres, devendo administrar as responsabilidades e os desprazeres, necessários à sua sobrevivência. Para lidar com isso, é necessário desenvolver a consciência de que é preciso saber conviver com as sensações boas, e ruins também.
Esse é o Ego, instância psíquica que foi lentamente se desenvolvendo e passou a ser elemento básico para a sobrevivência consciente do Ser, administrando os seus desejos e seus compromissos, o prazer e a realidade, enraizando-se na psique, e exteriorizando-se na personalidade. Quando reencarnamos, a personalidade é a representação do desenvolvimento do nosso Ego, ou seja, é o centro da nossa consciência. Com as experiências vividas, vamos estruturando o nosso ser, com um nome, um formato psicológico, um funcionamento emocional e uma estrutura de princípios e valores, com as quais nos colocamos na presente encarnação.
Egoísmo
Ação ou movimento do Ego, que se corrompe com o excesso de si mesmo; se perverte à medida que se considera o centro de tudo; e se aliena com a ilusão da autossuficiência.
Este Ego que deveria administrar as necessidades, os prazeres e os objetivos existenciais, pode equivocar-se na forma de gerenciar a vida, olhando só pra si. Pode perverter-se cuidando apenas da construção dos seus interesses pessoais imediatos, pertinentes aos instintos primários, em detrimento aos de natureza geral, de maior amplitude social e humana. O Ego, adoecido pelo excesso de si mesmo, só deseja manter a sua identidade e permanecer soberano.
Invariavelmente, o Ego pensa somente em si, não compreendendo a imensidão do seu Inconsciente, que é o seu complemento. Ante a imagem consagrada do iceberg, poderíamos considerar que o Ego é um pequenino aventureiro, que domina a parte externa menor (superficial) do iceberg. Todos nós, que olhamos de fora, sabemos que ele se ilude com uma parte insignificante, diante da magnitude da parte submersa e do oceano que o envolve. Mas ele, em sua ingenuidade, ignorância ou medo, acha que aquele território é o mundo, todo o seu mundo e que ele ali domina.
Isto somos todos nós em relação a nossa psique e em relação a tudo que somos. Temos contato, conhecimento, com apenas uma pequena parte de nós, mas devido a nossa limitação existencial de encarnado, achamos que aquilo é tudo. Achamos que dominamos nosso inconsciente (parte submersa do iceberg), mas na verdade é ele que nos domina (interfere nos nossos pensamentos, sentimentos, emoções e ações). Somos produto de milhões de anos de experiências já vividas (desde a origem da nossa criação, como Ser Eterno), como um somatório de tudo o que já vivemos, e isso é o que o Ego reluta em ignorar.
Estamos falando do adoecimento do Ego, por ele se manter fixado na aparência das coisas, esquecendo-se da essência, do conteúdo de tudo, da finalidade existencial, que é maior do que a jornada física transitória que ele está passando. Sem supervalorizar as coisas materiais, considerando que o tempo as modifica, as destrói, as consome, as transforma. Sem se iludir em relação as posses, que se transforma em dor e angústia, quando a realidade se apresenta. Também em relação a determinadas sensações do prazer nos relacionamentos, nas afeições, nas posições de destaque, na exibição de títulos e valores, no apego ao “eu” transitório.
Encontramos no Egoísmo, ou seja, no Ego adoecido, a nascente de todos os males.
Proposta frente ao Egoísmo
Existe no ser humano, uma tendência imediatista de querer buscar alguém ou algo externo, para eliminar um problema interno que ele esteja passando. Essa forma de pensar é uma visão sintomática, buscando o tratamento daquilo que se vê, e não daquilo que efetivamente causou o desvirtuamento. Muitos indivíduos buscam a cura para o sofrimento, na expectativa de que alguém de fora, lhe tire do problema. Resolver o problema dele, como se não fosse dele. Como que se aquele que pede ajuda, não tivesse nenhuma implicação, envolvimento, ou responsabilidade, com aquilo de que se queixa. Sempre aprendeu que, o sofrimento que passa não é de sua responsabilidade. É como se este problema viesse de fora e o atingisse, se apoderasse dele, sem que ele fosse o responsável por tal coisa.
Mas sabemos que um problema que vem de dentro para fora não pode ser curado de fora para dentro. Que nossos sofrimentos estão intimamente ligados à nossa forma de ser, ver e de viver a vida. Não querer assumir a responsabilidade pelo seu envolvimento na causa do mesmo, é estar se alienando na busca da solução.
A diminuição da influência do Egoísmo é sempre o primeiro passo que devemos tomar para iniciarmos a busca pela solução de algum sofrimento que estejamos passando. Essa diminuição ocorrerá a medida que a nossa vida moral predominar em relação a vida material. E ela não trará o enfraquecimento do Ego, e sim o seu equilíbrio e o seu fortalecimento com a vida moral. A infelicidade do Ego ocorre quando ele pensa que é rei, senhor de toda a área, sem entender ou aceitar que é apenas um servidor, e que, aceitando o seu papel, poderá ser um ótimo servidor.
Nesse sentido, o sentimento exagerado da personalidade diminui. Quando nos conscientizamos, começamos a ver a vida sobre outra perspectiva mais elevada. Somos fruto do passado com destino à perfeição. Todas as experiências e situações que a vida nos ofereceu, são apenas suprimentos para a nossa próxima construção interior. E tudo o que temos de exterior não nos pertence, e a qualquer momento, pode nos ser tirado. Neste caminho, o Ego passa a encontrar o seu verdadeiro sentido na vida. O Ego passa a lidar com parâmetros mais saudáveis, mais adequados a realidade, mais lúcidos e reais, no lugar daqueles que o materialismo lhe oferece. A pessoa passa a se equilibrar e se harmonizar, com um modo de vida moral mais elevado.
A conscientização da transitoriedade da vida física, conduz o ser a uma humildade natural, tendo em vista as realizações que permanecerão após o término da mesma. Na medida em que o Espírito desenvolve a sua consciência e a perfeita lucidez em relação aos objetivos da sua existência na Terra, o Egoísmo vai se enfraquecendo e cedendo lugar a solidariedade, a fraternidade, por facultar a vivência de emoções mais elevadas, que o estimulam para o exercício da verdadeira fraternidade.
O equilíbrio do Ego situa-se entre a pequenez que lhe define, e a divindade que lhe é possível perceber. Reconhecer-se imperfeito, portador de problemas morais, é um ato de humildade real do ser vivo na Terra.